BRASIL, O PAÍS EM QUE O TRÁFICO DE DROGAS COMPENSA
Vou explicar o porquê dessa assertiva, na realidade constatação, de quem atua na área criminal e estuda o tema há cerca de 30 anos.
Chegamos a um ponto em razão da
política criminal adotada pelas nossas Cortes Superiores, que o tráfico de
drogas se tornou um crime banal, qualquer, como um mero furto de aparelho
celular, que, aliás, se cometido com destreza, fraude, rompimento de obstáculo,
ou outro modo de execução que o qualifique, tem a pena superior ao tráfico de
drogas com a aplicação do redutor (“tráfico privilegiado”). É a lesão ao
direito de propriedade, bem jurídico individual e disponível, tratado de forma
mais severa do que a saúde pública, bem difuso e indisponível, a violar o
princípio da proporcionalidade, sob o prisma da proteção deficiente, que é uma
forma de inconstitucionalidade.
Vou
explicar o porquê dessa assertiva, na realidade constatação, de quem atua na
área criminal e estuda o tema há cerca de 30 anos.
Não
tenho a menor dúvida em afirmar que a política sobre drogas em nosso país
necessita ser urgentemente revista por meio de processo legislativo.
Para
o perfeito entendimento do tema, farei um resumo do que ocorreu nos últimos 20
anos, que não deixa dúvida de que as Cortes Superiores flexibilizaram de tal
modo o combate ao câncer chamado tráfico de drogas, que se criou até mesmo um
estado paralelo dentro do estado oficial nas comunidades do Rio de Janeiro, que
tem como fonte de custeio o comércio maldito de entorpecentes.
Por
saber da gravidade do fenômeno tráfico de drogas, não só no Brasil, mas em todo
o mundo, a atual Constituição Federal determinou tratamento mais severo para
este delito, além da tortura e do terrorismo, que são originariamente crimes
hediondos. Ou seja, em todas suas formas, devem ser punidos mais rigorosamente
do que o crime comum (art. 5º, XLIII).
Por
isso, foi publicada a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que, na sua redação
original, proibia expressamente a progressão de regime de cumprimento de pena,
que seria cumprida integralmente em regime fechado (art. 2º, § 1º).
A
Lei nº 6.368/1976 não se mostrava à altura do determinado pela Magna Carta e,
por isso, necessitava ser reformada. Tentou-se em 2002 a aprovação de
legislação que trouxesse novo sistema para a punição ao tráfico e ao uso de
drogas. A Lei nº 10.409/2002, que foi aprovada para substituir a 6.368/1976,
continha diversos erros sistemáticos, e, por isso, sofreu tantos vetos, que
entrou em vigor totalmente descaracterizada.
Após
a apresentação de vários anteprojetos sobre o tema, sobreveio a Lei 11.343, de
23 de agosto de 2006, que sofreu alguns vetos presidenciais, mas que não a
alteraram substancialmente.
Embora a
lei não fosse perfeita, bem pelo contrário, possuindo várias imperfeições,
tinha o mérito de estabelecer novo sistema. Usuário, dependente e traficante de
drogas seriam tratados de maneira diferenciada, o que, bem ou mal, ainda
ocorre. Para os primeiros, não há mais possibilidade de prisão ou detenção,
aplicando-lhes penas restritivas de direitos. Para o último, a lei prevê
sanções penais mais severas. Mesmo para os traficantes, há distinção entre o
pequeno e eventual traficante e o profissional do tráfico, que terá penas mais
duras. Para o dependente, pode ser imposto tratamento médico ou atenuar a sua
pena.
Todavia,
o Supremo Tribunal Federal, com uma nova composição, agora majoritariamente
progressista, começou a desfigurar o sistema imposto pela Constituição Federal
e pela nova lei de drogas.
Primeiro,
foi julgar inconstitucional a imposição de regime integral fechado para os
autores de crimes hediondos e equiparados, dentre eles o tráfico de drogas. Esse
sistema perdurou por cerca de 16 anos, sempre tido por constitucional.
O
Congresso Nacional, visando atenuar esse novo posicionamento jurisprudencial da
Suprema Corte, publicou a Lei 11.464, de 28 de março de 2007, determinando o
cumprimento da pena para os autores de crime hediondos e equiparados em regime
inicial fechado (art. 2º, § 1º) e a necessidade de cumprimento de 2/5 da
reprimenda para o condenado primário e 3/5 para o reincidente (requisito
objetivo), a fim de ser possibilitada a progressão (art. 2º, § 2º).
Novamente,
o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, ao analisar o HC 111840/ES,
em 27.06.2012, declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do §
1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (Tribunal Pleno – Rel. Min. Dias Toffoli), que
prevê o regime inicial fechado para os autores de crimes hediondos e
equiparados. O Pretório Excelso decidiu que o dispositivo é inconstitucional
por ferir o princípio da individualização da pena, devendo ser aplicadas na
fixação do regime inicial de cumprimento da pena as normas do Código Penal
(arts. 33 e 59).
O
artigo 33, § 4º da Lei de Drogas, que cuida do indevidamente denominado “tráfico
privilegiado”, permite ao julgador a redução da pena dos crimes previstos
no seu caput e § 1º quando o traficante for primário, possuir bons
antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas e nem integrar
organização criminosa (vide artigo por mim publicado sobre este tema no
Estadão, em 09.09.2020, sob o título: “O STJ e o redutor para o tráfico de drogas”).
No
entanto, para não haver punição pífia, por sua redação original, essas penas
não podiam ser convertidas em restritivas de direitos e o regime inicial para o
cumprimento seria o fechado, o que era determinado pela Lei 8.072/1990.
Como
não podia deixar de ser, o Supremo Tribunal Federal, analisando a hipótese no
HC 97.256/RS, tendo como relator o Ministro Ayres Britto, por seis votos a
quatro, em julgamento realizado no dia 01 de setembro de 2010, julgou ser
inconstitucional a proibição da substituição de pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos contida nos arts. 33, § 4º e 44, caput, da Lei de
Drogas, haja vista não poder a lei subtrair do Julgador a possibilidade de
analisar a viabilidade da substituição, o que viola o princípio da
individualização da pena.
A
intenção inicial do legislador era punir com menos rigor o pequeno e eventual
traficante, mas não o deixar sem punição adequada, o que ocorre com a fixação
do regime aberto, até então vedado para essa espécie de crime, com a
possibilidade de substituição por penas restritivas de direitos, algo inédito
no mundo para o traficante de drogas. Lembro que a Magna Carta diz
expressamente que o tráfico de drogas, em qualquer de suas formas, deve ser mais
severamente punido.
Mas
não para por aí.
A
Lei 8.072/1990, na redação original, proibia a concessão da liberdade
provisória, com ou sem fiança (art. 2º, II), para os autores de crimes
hediondos e equiparados, dentre eles o tráfico de drogas. É claro, como não
poderia deixar de ocorrer, a proibição da concessão da liberdade provisória foi
considerada inconstitucional pelos Tribunais Superiores. E, por isso, foi
publicada a Lei 11.464/2007, que passou a proibir apenas a concessão da fiança.
A
Lei de Drogas, na sua redação original, no artigo 44, “caput” proibia diversos
benefícios para o traficante. Dizia que: “Os crimes previstos nos arts. 33,
caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis,
graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas
penas em restritivas de direitos”.
Aos
poucos, um a um, foram caindo essas vedações por fruto de decisões das Cortes
Superiores.
Com
a nova redação dada ao art. 2º da Lei 8.072/1990 pela Lei 11.464, de
28.03.2007, que é posterior à Lei de Drogas, não é mais vedada legalmente ao
autor de crime hediondo ou equiparado a obtenção da liberdade provisória sem
fiança. Proibiu a norma apenas a concessão da fiança para estas espécies de
crimes, dentre eles o tráfico de drogas.
O
Supremo Tribunal Federal, por sua 2ª Turma, de maneira lógica e sensata,
decidiu que continuava em vigor a proibição da concessão de liberdade
provisória para os autores de crimes hediondos e equiparados, haja vista a
proibição emanar da própria Constituição Federal (art. 5º, XLIII). É que,
quando a Magna Carta proíbe a concessão da fiança, está englobada a liberdade
provisória sem fiança. Seria incongruente proibir a liberdade provisória
mediante o pagamento de fiança (mais grave) e permitir a liberdade provisória
sem fiança (menos grave). Com efeito, inconstitucional seria a legislação
ordinária que viesse a conceder liberdade provisória a delitos em relação aos
quais a Constituição Federal veda a fiança (STF – HC 93.940/SE – 1ª T. – Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, m.v. – j. em 06.05.2008).
Diante
da divergência jurisprudencial, inclusive entre a 1ª e a 2ª Turma do Supremo
Tribunal Federal, a matéria foi levada à decisão pelo plenário da Corte. No HC
104.339/SP, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em julgamento realizado no
dia 10 de maio de 2012, o Tribunal Pleno, por maioria de votos, declarou incidenter
tantum a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória”,
constante do caput do art. 44 da Lei de Drogas.
O
sistema de persecução penal criado pela Carta Constitucional e pelo legislador
para o combate e punição ao tráfico de drogas foi tão desfigurado, que essa
modalidade de delito está totalmente sem controle. A maioria dos casos que
passa nos distritos policiais e nas varas criminais, pelo menos aqui em São
Paulo, é de tráfico de drogas e roubos.
Por
outro lado, boa parte das autuações por tráfico de drogas são consideradas
pelos Tribunais Superiores como “tráfico privilegiado”, por levar em
consideração apenas a primariedade e bons antecedentes. Não se verifica como
deveria outras hipóteses que podem determinar que o autuado vive do comércio
espúrio, ou seja, dedica-se à atividade criminosa, que é óbice para a aplicação
do redutor.
Com
isso, as Cortes Superiores, em decisões relâmpagos, por meio de Habeas
Corpus, aplicam o redutor e concedem o regime aberto com a imposição de
penas restritivas de direitos para o traficante, cuja pena, em regra, gira em
torno de um ano e oito meses de reclusão (redução máxima).
Para
a mulher grávida ou mãe, ou para aquela responsável por criança ou pessoa
portadora de deficiência, por meio da Lei 13.769, de 19 de dezembro de 2018,
passou a ser possível, em diversas hipóteses, dentre elas o tráfico de drogas,
a progressão especial de regime prisional para a primária e de bom
comportamento carcerário. Assim, poderá obter a progressão de regime ao cumprir
apenas 1/8 da pena no regime anterior. Criou-se exército de grávidas e mães
para a prática do tráfico, uma vez que, logo que autuadas em flagrante, lhe é
substituída a prisão preventiva (regime fechado) pela domiciliar ou lhe é
concedida a liberdade provisória, com ou sem imposição de medidas cautelares.
Verdadeiro estímulo ao tráfico de drogas, já que, além de a pena prisional ser
sistematicamente substituída por restritivas de direitos, mesmo que não seja, a
progressão dar-se-á após o cumprimento de pequena parcela da reprimenda.
E
vejam que, mesmo diante da escalada do crime organizado, operações policiais
regulares estão proibidas pelo STF nas comunidades cariocas, enquanto durar a
pandemia (ADPF 635), onde quem manda e desmanda, são as organizações
criminosas, que têm como atividade principal o tráfico de drogas.
A
flexibilização com o tráfico de drogas é tamanha que foi concedido Habeas
Corpus coletivo, determinando ao Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, ainda rigoroso com o combate a essa modalidade de delito, que cumpra a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e fixe o regime aberto e aplique
penas restritivas de direitos quando reconhecido o “tráfico privilegiado”
(STJ: HC 596.603). Milhares de traficantes de drogas voltaram às ruas. Muitos
desses certamente continuaram a fazer o que sabem melhor: traficar drogas e
aumentar ainda mais a circulação dessa “mercadoria” nefasta para a sociedade.
Neste
caso, felizmente, a legalidade foi reposta pelo Ministro Alexandre de Moraes ao
julgar monocraticamente o Recurso Extraordinário nº 1.344.374/SP (j. em
01.12/2021) e cassar esta decisão inusitada do Tribunal da Cidadania. Não se
faz possível a concessão da ordem de forma abrangente e totalmente genérica,
notadamente em Habeas Corpus individual, sem demonstrar o
constrangimento ilegal que afeta a cada paciente.
E, para piorar ainda mais esse cenário de
quase impunidade para boa parte dos traficantes, chegamos ao cúmulo em que quando
flagrados com centenas de quilos de drogas de todos os tipos, até mesmo as mais
nocivas como a cocaína e o crack, são brindados pelos Tribunais Superiores em
reiteradas decisões com a concessão da liberdade provisória, aplicação do
redutor, fixação do regime aberto e substituição da pena prisional por meras
restritivas de direitos, algo impensado em qualquer outro país do mundo. Basta
ser primário e não possuir antecedentes criminais, como se isso fosse
passaporte para o tráfico, já que a punição é desproporcional para a gravidade
do crime, sendo, na realidade, ridícula e torna o direito penal um faz de
conta, que não atemoriza aqueles que pretendem enveredar no lucrativo comércio
maldito do tráfico de drogas. O traficante que é flagrado com tamanha
quantidade de drogas não é um qualquer, mas integra a organização criminosa,
que não confiaria tanta mercadoria, que valem centenas de milhares ou mesmo
milhões de reais, nas mãos de pessoa que não fosse de sua confiança, isto é,
pertencente ao grupo criminoso, o que, aliás, é óbice para a aplicação do
redutor e reconhecimento do “tráfico privilegiado”.
Notem
que o tráfico de drogas está sendo tratado da mesma forma que os crimes de
pequeno e médio potencial ofensivo. Em algumas hipóteses é dado o mesmo
tratamento do que para o furto de galinha.
Ou
mudamos o sistema atual de prevenção e combate ao tráfico de drogas ou boa
parte das grandes cidades brasileiras será transformada em “narcorregiões”,
como já ocorre na Bolívia, Colômbia e Peru.
Sugiro
aos parlamentares, iniciar o processo com a alteração da redação do § 4º, do
artigo 33 da Lei de Drogas, que passaria a ser assim:
“Nos delitos definidos no caput e no § 1º
deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a metade, desde que o
agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique à atividade
criminosa e nem integre organização criminosa, e se as demais circunstâncias
concretas, notadamente a quantidade, diversidade e a natureza da droga ou de
outros materiais a ela relacionados apreendidos, recomendarem a redução”.
Atualmente,
esse dispositivo é instrumento de impunidade e incentiva a prática do tráfico.
A
redução atual, 1/6 a 2/3 é muito ampla, ensejando na maioria dos casos a
imposição de pena de um ano e oito meses de reclusão, que é sistematicamente
substituída por restritivas de direitos. Por isso, além da redução da
minorante, necessário se faz restringir a aplicação do benefício, levando em
consideração circunstâncias concretas a serem analisadas pelo magistrado.
Por
mim, revogaria o redutor; no entanto, tenho quase certeza que seria declarada
pelo STF a inconstitucionalidade da revogação por violar o princípio da
individualização da pena, que é matéria afeta ao Poder Legislativo, nos termos
do artigo 5º, inciso XLVI, da Carta Fundamental.
E,
como nada está tão ruim que não possa piorar, o Superior Tribunal de Justiça
firmou entendimento de que o policial deverá documentar a autorização do
morador da casa para nela ingressar (o traficante, seu familiar ou outra pessoa
que lá resida) por escrito e, ainda, proceder a filmagem ou gravação da
operação, sob pena de a prova resultante da busca e apreensão ser considerada
ilícita e o policial processado por abuso de autoridade (HC 598051). Também
pode o policial obter mandado judicial, o que normalmente demora muitas horas
e, não raras vezes dias, obstando a produção da prova, que já terá
desaparecido. Decidiu a 6ª Turma:
“(...)
IV) A prova
da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso à residência
do suspeito, incumbe em caso de dúvida ao Estado, e deve ser feita com
declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar,
indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação
deve ser registrada em áudio e vídeo e preservada tal prova enquanto durar o
processo.
V) A
violação a essas regras resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência
da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de
causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do agente público
que tenha realizado a diligência”.
Foi
proposto, ainda, prazo de um ano para que os órgãos policiais se aparelhem e
treinem seus agentes para assim agirem (HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogério
Schietti Cruz, v.u, j. em 02.03.2021).
Recentemente,
a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no mesmo sentido, qual seja,
que, na dúvida sobre ter sido franqueada a entrada dos policiais pelo
investigado ou por algum morador da casa, deve ser reconhecida a ilegalidade da
busca domiciliar. Do mesmo modo que a 6ª Turma, decidiram que “caberia aos
agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o
consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em
curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a
autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento do
morador.” (HC 616.584/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, v.u, j. em
30.03.2021).
Ninguém
desconhece a luta inglória dos órgãos da persecução penal contra o tráfico de
drogas e outros delitos cometidos pelas organizações criminosas, que
dificilmente são testemunhados por pessoas alheias aos quadros policiais, por
motivos óbvios.
Na
grande maioria das vezes que a polícia recebe a notícia de crime de tráfico de
drogas precisa agir imediatamente, sob pena de a prova perecer ou o autor se
evadir.
O
tráfico de drogas costuma ser praticado na clandestinidade. O traficante
normalmente traz consigo pouca quantidade de drogas para, no caso de ser preso,
dizer que era para consumo pessoal e, também, para não perder a “mercadoria”. A
quantidade expressiva da droga é mantida em depósito em algum local, muitas
vezes na sua residência ou nas suas dependências, como no quintal ou terreno.
Quando
flagrado, é comum o traficante indicar para o policial onde está mantida o
restante da droga. De posse dessa informação, o policial dirige-se ao local
indicado e apreende a droga, lembrando, que, nesta hipótese, o crime é
permanente, permitindo a prisão em flagrante.
Acredito
que as condições materiais e humanas das polícias pelo Brasil afora não sejam
de conhecimento dos DD Ministros. Têm cidades que mal possuem policiais e
viaturas, quanto mais condições de assim procederem.
Cuida-se
de mais uma porta aberta para a alegação de nulidades e absolvição dos
traficantes, cujos advogados saberão muito bem aproveitar.
Não
basta a declaração dos policiais, cujo depoimento possui fé pública? A ordem
das coisas foi invertida. O ônus de demonstrar a ilegalidade da medida é da
defesa e não da acusação. A partir do momento em que não se acredite no que
dizem os agentes policiais, todo nosso sistema probatório será subvertido, já
que não se encontram testemunhas civis nestas espécies de crimes que se mostrem
dispostas a depor.
Parte-se
do pressuposto que os policiais abusam de sua autoridade e invadem a residência
sem que esteja presente a justa causa ou a autorização de um dos seus
moradores. Claro que pode haver abusos, mas cabe à defesa demonstrá-los e não à
acusação a sua inocorrência, fazendo prova negativa, a denominada “prova
diabólica”, muitas vezes impossível de ser produzida.
Ao
que me consta o artigo 156 do Código de Processo Penal ainda se encontra em
vigor e, por ele, o ônus da prova incumbe a quem alega. No caso de ser alegado
abuso, já que o depoimento dos policiais possui fé pública, cabe a prova a quem
alegou. Do contrário, o sistema estará invertido.
Criou-se
por meio de decisão judicial requisito inexistente na Carta Magna para o
ingresso no domicílio, contrariando, inclusive o constante do Tema 280 de
Repercussão Geral, além de dar efeito abrangente e genérico a Habeas Corpus
impetrado em favor de paciente individualmente considerado, deixando de
demonstrar o constrangimento ilegal a cada um dos pacientes.
Novamente,
para restabelecer a legalidade, referida decisão foi anulada pelo Ministro
Alexandre de Moraes em decisão monocrática no Recurso Extraordinário nº 1.342.077/SP,
em 02 de dezembro de 2021.
Enfim,
aos poucos o sistema de persecução penal relacionado ao tráfico de drogas foi
sendo minado. As normas que determinavam tratamento mais severo para o
traficante de drogas, dentre outros crimes graves e hediondos, mesmo tendo
vigorado por cerca de 16 anos como constitucionais, com a alteração da
composição da Suprema Corte, notadamente no governo Lula e Dilma, que indicou a
maioria dos novos ministros, inclusive os que se aposentaram ou faleceram, a
grande maioria com ideologia progressista, se assim por chamá-la, foram
declaradas inconstitucionais. O resultado está aí. O narcotráfico dominando as
comunidades cariocas e de muitas outras cidades brasileiras. A enorme
quantidade de crimes direta ou indiretamente relacionada ao tráfico de drogas,
como organizações e associações criminosas, homicídios, lavagem de dinheiro,
dentre outros de menor gravidade. Ou seja, passou a valer a pena traficar
drogas pela pessoa jovem, grávida, mãe ou qualquer outra que ainda seja
primária e sem antecedentes criminais, já que, quando presa, o que ocorre em
menos de 5% dos casos, se condenada, o que nem sempre ocorre, cumprirá pena de
prestação de serviços à comunidade e pagará, se puder, pena pecuniária, que, no
caso de descumprimento, render-lhe-á regime aberto domiciliar, praticamente sem
fiscalização em razão de inexistência de tornozeleiras eletrônicas suficientes.
E
viva o país da impunidade em que o crime compensa.
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