OS CÍRCULOS DA ARQUITETURA DO PODER
Recentemente, o jurista e cronista
Francisco Carlos Caldas, em sua coluna para o jornal FATOS DO IGUAÇU, publicou
um artigo para chamar a atenção de seus leitores para a importância das
eleições municipais de 2024. Isso mesmo. Ele está chamando a nossa atenção para
as eleições municipais de 2024 em um ano em que teremos eleição para Presidente
e Governadores.
Municipalista que é, Francisco Caldas
está coberto de razão ao apontar para essa direção, pois, a única realidade
política que, de fato, existe, é a comunidade. Tudo o mais não passa de ficção.
De uma ficção que, é claro, nos assombra e nos espolia com seus reios
tributários e com suas esporas burocráticas, desde a aurora republicana dessa
terra de Pindorama.
A respeito disso, penso que seja interessante
lembrar que, em seu livro “Da propaganda à presidência”, Campos Sales, o quarto
homem a presidir essa birosca chamada Brasil, escreve de forma clara e direta,
para todos aqueles que deitaram suas vistas nas páginas da referida obra, uma
síntese da arquitetura política que passou a reger a vida republicana
brasileira a partir do seu mandato.
Diz-nos ele que procurou em suas lides e
lutas políticas o seu fortalecimento junto aos Estados porque, segundo o mesmo,
é lá que reside a verdadeira força política. Campos Sales ainda nos lembra, de
forma enfática, que o verdadeiro público que forma a opinião geral, e que
imprime os rumos do sentimento nacional, é o público que reside nos Estados e,
por isso, conclui: é de lá, e não de outro lugar, que se governa a república
brasileira.
Podemos dizer que, de certa forma, não
seria bem dos Estados que se governa este triste país, mas sim, a partir dos
Municípios, onde se digladiam as oligarquias locais que usam e abusam das
relações pessoais, dos pactos morais, firmados na base das trocas de favores e
privilégios, onde se perpetuam as práticas do mandonismo e do caciquismo
político. Resumindo: é da grota que, bem ou mal, se governa essa birosca.
As décadas passaram e, podemos dizer,
sem medo de errar, que a arquitetura política edificada e consolidada durante a
sua governança, manteve-se relativamente intacta, sofrendo apenas algumas
alterações no correr dos anos, e com o passar das incontáveis mãos que se
serviram dos poderes constituídos, para se locupletar em nome do bem do povo e
do futuro da nação.
Houve, durante a Era Vargas, durante os
governos militares, e bem como no correr da Nova República, inúmeras tentativas
de ampliar o poder do Governo Federal que, em termos burocráticos, sim,
aumentou significativamente a capacidade de atuação deste, porém, tal
burocratização, centralizadora até o tutano, não diminuiu de jeito maneira o
poder dos clãs políticos locais, nem ampliou os espaços de atuação cívica.
Ainda hoje, vemos com grande clareza a
forma como essa complexa teia de relações de poder se edifica a partir das
lideranças locais, políticas ou não, indo até aos mais elevados cargos de poder
desta nação. É um trem tão engenhoso quanto maquiavélico.
Por essa razão, e de forma muito
precisa, certa feita, numa palestra proferida para um grupo de militantes, José
Dirceu havia dito aos presentes que o que ele gostaria de ver mesmo não era a
formação de grandes núcleos partidários nas cidades, com quartel general
vistoso para aglutinar filiados, nada disso. Disse ele, de modo claríssimo, que
o que ele gostaria de ver mesmo eram pequenos grupos, de dez, doze pessoas,
reunindo-se nas casas uns dos outros, debatendo os temas e as teses do partido.
Ele sabia muito bem o que estava dizendo, infelizmente.
Também, o professor Olavo de Carvalho,
em várias ocasiões assinalou que o grande mal da direita brasileira, que estava
[e ainda está] se formando, era que esta estava pensando a política a partir
dos grandes cargos da república e não a partir a atuação local, com base na
ação dos pequenos grupos porque, como o mesmo nos lembrava, de forma
incansável, nós não devemos jamais confundir poder efetivo com a investidura de
um cargo. Ou seja: o poder está no bairro, na comunidade, não em Brasília, nem
nas capitais dos Estados.
Não apenas isso. Lembremos da fala
recente de Lula, onde o mesmo dizia aos seus correligionários que eles deveriam
pressionar os deputados, que eles deveriam mapear o endereço deles e, em
pequenos grupos, ir nas casas deles, não para xingar, mas para conversar com
eles, com a mulher de cada um deles, com os filhos deles, incomodar a
tranquilidade deles. E conclui: isso surte muito mais efeito do que fazer uma
manifestação em Brasília. Sim, o molusco neste ponto está certo. É assim mesmo
que a banda deveria tocar, pois, como bem nos lembra Millôr Fernandes, político
é similar a feijão: apenas fica bom na pressão.
Ou seja, se fôssemos resumir o
entrevero, poderíamos fazê-lo assim: quando um estrategista com o gabarito de
José Dirceu, um filósofo com um horizonte de consciência de Olavo de Carvalho e
um líder político com a vivência de um Luiz Inácio Lula da Silva, estão
apontando para os mesmos problemas e indicando soluções similares, mesmo
estando em posições distintas, é porque eles estão olhando para a realidade e
nós, ao contrário deles, estamos de forma tola desprezando sua fulgurante
presença.
Eles estão olhando para a mesma
realidade e, tanto a direita, quanto a esquerda e bem como os indiferentes,
estão desdenhando soberbamente a presença do óbvio ululante e achando que, tal
atitude, seria algo tão inteligente quanto sofisticado.
Gene Sharp, em seu livro “Da ditadura à
democracia: conceitos fundamentais para a libertação”, nos chama a atenção para
essa importante questão, a dos pequenos grupos organizados junto à comunidade
e, é claro, para muitas outras questões que deveriam ser levadas em
consideração por todo e qualquer cidadão, pouco importando se ele é simpático
às pautas de direita, ou se ele é um simpatizante das bandeiras de esquerda.
Ou, como possivelmente diriam João Camilo de Oliveira Torres e Gilbert Keith
Chesterton, o que realmente importa é o quanto nós valorizamos a nossa
comunidade e, principalmente, o quanto estimamos aqueles que nela vivem.
Renato Gomes - ESTÁ CHEGANDO A HORA DE A ONÇA BEBER ÁGUA...
SILVIO MUNHOZ - A CARTINHA E O ENDEREÇO ERRADO.
ÉRIKA FIGUEIREDO - UMA REPÚBLICA ITALIANA
ADRIANO MARREIROS - REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ E OUTRAS “DEMOCRACIAS”...