Revolução Molecular
crimes e o criminosos
Tenho escrito, palestrado e debatido, nos últimos anos, um conceito tão
importante quanto desconhecido pela maioria dos brasileiros, o de Guerra Civil
Molecular.
Apenas para ficar claro do que se trata, é importante recordar que, no
ano de 1993, o poeta, ensaísta,
escritor, editor e tradutor alemão Hans Magnus Enzensberger, dileto filho da Escola de Frankfurt, escreveu um ensaio que nominou
como PERSPECTIVA DE
UMA GUERRA CIVIL[1].
Segundo Hans Magnus, sem que a sociedade se aperceba, a Guerra Molecular
se inicia quando surtos de violência espontânea, sem uma origem definida ou
natureza política específica, começam a eclodir recorrentemente em seu interior.
Não há, a princípio, diferentemente do que ocorre nas guerras convencionais,
um objetivo final a ser atingido, é o puro exercício da violência pela própria
violência.
É chamada de molecular porque pode se manifestar em qualquer lugar e a
qualquer momento. Em exemplo dado pelo autor, mesmo um vagão de trem pode ser o
palco de uma guerra desta natureza, por esse o motivo do nome.
Da normalidade à anormalidade, o caminho da degradação do tecido social
é muito rápido. O Estado, ao não conseguir conter as manifestações de violência
que começam a se proliferar e a se disseminar como se um vírus letal o fosse, infectando
e debilitando o seu hospedeiro, perde, perante os seus tutelados, a qualidade
de garante da lei e da ordem, fragilizando-se e desacreditando-se em sua
capacidade de atuação protetiva.
Nesse contexto de indiscriminada violência, sem um nexo causal claro, o
cenário urbano muda radicalmente, deteriorando-se pelas constantes pichações e
depredações do espaço público e privado.
As residências, por sua vez, são fortificadas por seus moradores,
assumindo feições de casas prisionais, e estas, ao seu turno, tornam-se locais
de recrutamento de novos “guerreiros moleculares”.
Os tutelados, em razão da
impotência do Estado, passam a nuclear as suas relações interpessoais, buscando
proteger-se, devidamente entricheirados em seus lares, do outro que, em seu
entender, constitui-se em um potencial perigo aos seus e a si mesmo.
Em seu apogeu, a Guerra Civil Molecular transmuta-se, tornando-se a
regra e não mais a exceção. Com esta transmutação, a Guerra Molecular assume as
feições de macro e o Estado de Direito, como o conhecemos, entra em colapso, a ele se sucedendo a
anarquia, antessala de regimes autoritários que, ao prometerem a restauração da
lei e da ordem, às custas das liberdades individuais, ascendem ao poder e nele
buscam se manter de qualquer maneira.
A liberdade, os direitos, as garantias individuais e sociais que matizam
todas as sociedades ditas democráticas, em nome da segurança destroçada, são
entregues, pela população cansada da violência, aos aspirantes a tiranos sem
maiores senões.
Ao final da Guerra Civil Molecular, portanto, o que resta é apenas um
simulacro do Estado Democrático de Direito que existia antes do processo de sua
destruição se iniciar.
É importante se verificar que, nos “guerreiros moleculares”, há um
perfil em comum que os une mais além do que as suas diferenças. Não sabem estes
guerreiros aceitar um não como resposta, o cumprimento das normas inerentes à
vida em sociedade não é algo que os impeça de fazer o que querem fazer, na hora
que bem entendem e da forma que lhes for mais conveniente, bem como não há
limites para a realização de seus desejos, mesmo quando esta satisfação importe
no sofrimento alheio ou no atentado aos direitos de outrem.
Imagine-se, agora, que estes “guerreiros moleculares”, na satisfação de
seus imedidos desejos, encontrem estímulo externo à concreção de todas as suas
pulsões, sem qualquer limitação, como, e também, ao mesmo tempo, sejam
tratados, por assim agir, como heróis da resistência, em uma verdadeira
significação positiva do que, em qualquer contexto social ordeiro, é negativo.
A partir desse momento, que podemos chamar de turning point, a
Guerra Civil Molecular, espontânea por sua própria natureza, assume o perfil
revolucionário, passando a ser meticulosamente orquestrada para que atinja os
fins objetivados por seus idealizadores e patrocinadores.
O “front” do desejo, bem representado pelos “guerreiros moleculares” na
luta revolucionária, assume igual dimensão que a dos conscientes ideais que
impulsionam o movimento a rebelar-se contra o que acreditam ser o status quo
opressor.
Esta via revolucionária, onde a marginalidade dos “guerreiros
moleculares” é explorada e estimulada como instrumento de luta, infelizmente
não é algo novo, ela foi alinhavada, tal qual como um nefasto roteiro a ser
seguido, pelo desconstrutivista francês Félix Guattari há quase quarenta anos.
No livro REVOLUÇÃO MOLECULAR: PULSAÇÕES POLÍTICAS DO DESEJO[2], Guattari descreve, passo
a passo, como, através do “front” do desejo, da apropriação e da
instrumentalização das pulsões dos grupos marginais (aqui eu me refiro àqueles
que militam à margem do sistema) pôde-se fazer com que a revolução triunfe.
Segundo o autor:
“A luta de
classes não passa mais simplesmente por um front delimitado entre os
proletários e os burgueses, facilmente detectável nas cidades e nos vilarejos;
ela esta igualmente inscrita através de numerosos estigmas na pele e na vida
dos explorados, pelas marcas da autoridade, de posição, de nível de vida; e
preciso decifrá-la a partir do vocabulário de uns e de outros, seu jeito de
falar, a marca de seus carros, a moda de suas roupas, etc. Não tem fim.” (p.
15)
O crime singularmente considerado, nesse universo discursivo, nada mais
é do que uma lídima expressão da Revolução Molecular e cada ato criminoso, por
si só, tem o potencial de desestabilizar e gerar, no tecido social,
generalizada sensação de insegurança que à revolução interessa.
Guattari vai mais além, diz que: “A marginalidade é o lugar onde se
podem ler os pontos de ruptura nas estruturas sociais e os esboços de
problemática nova no campo da economia desejante coletiva” (p. 46).
Dessa forma, o crime e o criminoso, adequadamente explorados em seu
potencial revolucionário, são poderosos instrumentos para que os objetivos
finais sejam atingidos.
Na ótica de Guattari, a destruição do “tira” interno (p. 13), censor
maior do que a própria sociedade e do que as suas leis, pode gerar o caos, a
revolução e, após, a instalação do totalitarismo que ele crê como libertário.
E quem melhor do que o criminoso, aquele que não segue as regras e que
há muito já “matou o seu tira interno” (não raras vezes os externos também) para
representar os ideais revolucionários moleculares?
Há uma lógica revolucionária, portanto, por de trás da exaltação da
figura do criminoso e da idealização do crime por ele praticado, por mais que a
nós cause espécie e repudio.
Se, do lado da Revolução Molecular, a implosão dos freios inibitórios
inerentes a todos quantos vivam em sociedade, com o respeito a estritos
limites, é fundamental para que revolução triunfe, do outro lado, o nosso, a
exata compreensão do fenômeno é fundamental para que seja eficazmente
combatido.
Por esse motivo, toda a vez que alguém lhe disser que “há uma lógica no
assalto”, não se surpreenda, repudie e rebata, pois ideias como esta, quando
transpostas para o mundo real, têm o poderoso efeito de revolucionar,
negativamente, a sociedade e arrebatar os mais caros valores de democracia e liberdade que
professamos.
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