AS MUDANÇAS NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO ?
E o que você tem com isso...
E o que você tem com isso...
A
última década trouxe importantes mudanças na percepção do cidadão comum acerca
da funcionalidade do Sistema de Justiça no Brasil. A crença popular de que o
sistema de justiça criminal era incapaz de alcançar os estratos sociais mais
elevados foi seriamente abalada quando o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação
Penal 470, em 2012, o intitulado Caso do Mensalão. A visibilidade propiciada
não apenas pela mídia formal, mas, em especial, pelo advento das redes sociais,
deram ao julgamento e a determinados crimes um lugar no debate popular.
Corrupção e lavagem de dinheiro tornaram-se parte do diálogo do cidadão comum,
e isso foi extremamente positivo. Afinal, embora sejam fenômenos altamente
reprováveis e que afetam diretamente a vida do cidadão, nem sempre são
percebidos em sua nocividade, pois a face visível é a má qualidade na prestação
de serviços públicos em saúde, educação e segurança pública, que quase nunca é
conectada com a corrupção ou com a lavagem de dinheiro.
Diferentemente
de um homicídio ou de um furto, onde a conduta reprovável se liga diretamente
ao resultado socialmente repulsivo, a corrução é um crime invisível. Ela ocorre
nas sombras, nas franjas do poder, é diluída num contrato superfaturado, na
merenda escolar que, embora se tenha sido remunerada por um tipo de alimento é
substituída por outro que não possui uma fração daquilo que a criança necessita
numa refeição. A corrupção tem, entretanto, uma face bastante visível e
incômoda, o enriquecimento dos detentores do poder político e econômico. O
mandatário que trai o cidadão que lhe confiou o voto enriquece de modo
inexplicável no poder, a vida parece lhe sorrir diferente nos mais variados
negócios desde que assumiu o cargo público. O detentor do poder econômico
enriquece ao fazer de seus negócios um instrumento de lucros escusos. Em lugar
da refeição com arroz, feijão, carne e legumes que foi contratada, ele fornece apenas
arroz.
Ainda
na esteira das condenações no processo do Mensalão, em 2013, o reajuste das
tarifas do transporte público foi o estopim de uma série de manifestações
populares que, a par de criticarem a corrupção e exigirem respostas a tal
fenômeno, rechaçavam o aumento do custo do serviço. As manifestações que se
alastraram pelo país tiveram um impacto relevante sobre a atuação do Congresso
Nacional. Para responder a tais eventos os parlamentares rejeitaram a PEC 37
(Proposta de Emenda à Constituição), nominada de PEC da Impunidade, que
impediria a investigação pelo Ministério Público, e aprovaram as Lei n.
12.846/2013 e n. 12.850/2013. A primeira, a Lei Anticorrupção da empresa, a
segunda, a Lei das Organizações Criminosas, que regulou de forma mais ampla a
colaboração premiada. Foi este instrumento que possibilitou, em grande medida, o
desenvolvimento das investigações da Operação Lava Jato (2014).
Caminha
na Câmara dos Deputados em apressados passos uma proposta de reforma da Lei de
Lavagem de Dinheiro. A proposta não traria maiores preocupações se não fosse a
lavagem de dinheiro um potente instrumento para o sancionamento dos
procedimentos que visam garantir os lucros escusos obtidos com a corrupção e
outros crimes. O crime de lavagem atinge o âmago da corrupção, a busca pelo
ganho ilícito a partir da função pública. E o que estão propondo? De modo
bastante sucinto: 1) tornar mais difícil a condenação; 2) atenuar a pena; 3)
facilitar a prescrição e, consequentemente, a impunidade; 4) vedar sua
ocorrência em alguns casos; e 5) proibir o acesso do Ministério Público a dados
de movimentações suspeitas. Essas são algumas das propostas já noticiadas na
imprensa. A questão se torna mais problemática quando se constata que a maioria
da comissão é composta por advogados criminalistas, vários deles com clientes
acusados de lavagem de dinheiro. É quase como se coubesse ao réu dizer se ele
próprio cometeu o delito. A presença de membros do Ministério Público ou do
Judiciário ali não tem força suficiente para contrastar tal maioria e tem
servido de argumento para legitimar as posições da Comissão.
É preciso, portanto, jogar luz no debate. É necessário um acompanhamento mais direto da atuação de cada parlamentar, apesar de vivermos tempos de pandemia. Discursos empolados e tecnicismos são, muitas das vezes, formas de não se permitir a compreensão da relevância do debate travado. Entretanto, se o povo é o legítimo detentor do poder na democracia, é premente mostrar que, a pretexto de modernização, o que se avizinha é o afrouxamento de uma legislação que alcança, sobretudo, a corrupção e o crime organizado. O cidadão comum que tem direito e talvez bem mais que isso, o dever de exigir de seus representantes que no Brasil o crime não compense.
José Maria Panoeiro para o Tribuna Diária
* Procurador da República, Doutor em Direito Penal pela
UERJ, Pesquisador do CPJM-UERJ.
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