DIREITO VERSUS POVO
O “Princípio do não retrocesso”
Uma saga bandidólatra e totalitária...
Nem sempre os artigos jurídicos devem ser
dirigidos a juristas e operadores do Direito.
O Direito rege todos os aspectos da vida do indivíduo e da Sociedade
como grupo. Assim sendo, ele pertence ao
Povo, que não pode ser afastado dele. Se ele tem sido usurpado de seu
verdadeiro titular, queremos contribuir para quebrar esse círculo vicioso de
usurpação, destruindo esse anel do mal que tudo faz para retornar ao Senhor do
Escuro que, em suas várias formas, sempre pretende impor dominação à Terra
Média: como diria Tolkien... Começamos,
assim, uma série de artigos curtos em que queremos explicar idéias e coisas que
acontecem no Direito e que muito prejudicam ou prejudicarão o Povo. Eles
servirão para despertar uma visão efetivamente crítica sobre certos assuntos –
não aquela “visão crítica” de alguns... professores e outros doutrinadores que
consiste em repetir dogmas, chavões e palavras de ordem impostas por eles, mas
sim aquele que analisa contradições e desconexão com o mundo real.
Episódio n. 1: “Princípio do não retrocesso”
(publicado
originalmente no Diário do Observador)
Podia começar esta série com vários assuntos, mas escolhi um que, por
vezes, consegue iludir até quem tem os olhos bem abertos, já que sua expressão
é feita de forma muito sedutora: o tal “Princípio” do não retrocesso: afinal, quem
quer retroceder, andar para trás, ser retrógrado?
Principiamos retrocedendo a uma pergunta
inicial: o que seria retrocesso?
Esse pretenso princípio costuma estar na boca das mesmas pessoas que
entendem que “progressismo” é progresso: ambos misturados na mesma saliva que
costumam usar para cuspir, por vezes literalmente, em quem deles discorda.
Notem que quando vão ser feitas leis ou emendas, costuma haver uma série
de audiências públicas. Nessas audiências, alguns dizem que uma coisa é
progresso e outras dizem que é regresso.
No final, o Poder Legislativo, ELEITO PELO POVO, define o que seria
melhor segundo seus representantes. O que
seria progresso ou regresso acaba assim definido (nem sempre[1]) com
base na vontade do povo, por meio das eleições e do debate legislativo surge a
Lei ordinária, a lei Complementar, a emenda Constitucional...
Quando não é assim, ao Povo é negado o poder que dele emana...
E o que seria esse tal “princípio” do não
retrocesso?
Não pretendemos fazer a análise aprofundada dessa questão. Daremos aqui
a definição mais próxima do consensual adotada por aqueles “progressistas” que
não desejam “retrocessos”. Quem desejar doutrina mais aprofundada sobre o
assunto, pode pesquisar em artigos científicos, obras jurídicas ou,
simplesmente, parar sua leitura por aqui: o que recomendamos em especial
àqueles que costumam se horrorizar com a introdução de argumentos do mundo real
ou de “meros detalhes” como a Sociedade.
Esse “princípio” consistiria na idéia de que o Estado, após ter
implementado um direito fundamental, não poderia retroceder, ou seja, não
poderia voltar atrás na medida ou nas medidas que teriam efetivado essa
implementação. Lindo isso, né? É só usar o “bom senso”...
Curioso é que muitas vezes os aplicadores desse “princípio” se
autodenominam, orgulhosamente, contramajoritários[2]
(contrários à maioria do Povo) e até portadores da luz que poucos possuem. Em síntese: “ter bom senso” significa “pensar
luminosamente como eu” e, usando-se tal argumento, retrocesso poderia
significar apenas “o que eu não acho bom”.
Lembram do que falei sobre a série de audiências públicas em que uns
dizem que uma coisa é progresso e outras dizem que é regresso e que os
representantes eleitos pelo povo é que definem o que seria melhor: pois é. É
Democracia. Mas e se for
inconstitucional? – Você poderia perguntar. Se for inconstitucional, qualquer juiz em caso
concreto (incidentalmente) pode considerar inconstitucional e o STF também pode
considerar inconstitucional para todos os casos (controle concentrado).
O problema é que esse tal “princípio” abre a possibilidade de qualquer
coisa ser inconstitucional, dependendo apenas da vontade, da ideologia e até
do humor do julgador, independente de violar ou não a Constituição: já que
tudo viola a Constituição se quem julgar puder se basear apenas em seu achismo:
e quando achar que é meio retrógrado. Entendeu? Um poder acima do escrito na
própria Constituição, baseado no que não está escrito, um Princípio
Ectoplásmico[3]
(eles chamam de implícito[4]). Aí: só
apelando pros Caça-Fantasmas.
Então, quem é mesmo que vai dizer se uma coisa é retrocesso ou
progresso? Quem julgar, e cada um
julgará conforme suas convicções, já que não têm limite na Lei, nem na
Constituição, mas apenas no suposto e fantasmagórico “princípio” que lhe
permite dizer o que é retrocesso e o que é progresso ao seu gosto pessoal:
FAZER O QUE QUISER, SEMPRE! Mas não é só
isso. Tem mais. Infelizmente, você vai
ter que me aturar mais tempo (ou desistir aqui) e pode ter certeza: o pior não
será me aturar...
Vocês sabem o que é Cláusula Pétrea, Emenda
Constitucional, Lei Complementar, Lei Ordinária, decreto do Presidente da
República?
Cláusula pétrea é algo que está escrito na versão original da
Constituição e que segundo previsto nesse texto original, não pode ser alterado
nem por Emenda Constitucional.
Emenda é uma alteração da Constituição e exige votos de 3/5 dos
integrantes de cada casa legislativa em dois turnos (por duas vezes 49 no
senado e 308 na Câmara).
Lei Complementar exige maioria
absoluta dos integrantes de cada casa (41 e 257 respectivamente),.
A Lei ordinária exige a maioria simples, que é a maioria estando
presentes 41 no Senado e 257 na Câmara (21 senadores, 129 deputados).
A aplicação do famigerado “princípio” do não retrocesso permite que o
STF dê status de Cláusula Pétrea, por exemplo, a algo que jamais
passaria por emenda, mas que em uma madrugada com a presença de metade do
congresso foi aprovada como lei ordinária por pouco mais de um quarto de cada
casa...
E o que vc acha de permitir que um decreto do Presidente
vire cláusula pétrea tão logo publicado.
Pior: de algum ex-presidente que tenha perdido a eleição inclusive por
causa da linha seguida por seus decretos. Ou até mesmo uma portaria de um
ministério...
Sim, com o “princípio” do não retrocesso, podemos imaginar em tese, só
para argumentar, um Presidente fictício que solte medidas e decretos que
desagradam a população por seu conteúdo ideológico e contrário ao interesse
popular. Na eleição seguinte o povo não
elege seu candidato ao executivo nem lhe dá maioria no parlamento. No entanto, se ele indicou muitos membros para
os tribunais, nem o novo congresso eleito pelo povo poderá contrariar seus
decretos se estes forem protegidos com o lamentável “princípio”, nem os
decretos do novo presidente poderão revogá-los: e até portarias e ministros e
autarquias poderão ser cláusulas pétreas, deixando o poder de emanar do povo
que apenas observará seus votos serem inutilmente colocados na tal da estranha urna eletrônica.
Dentre muitos falsos princípios, esse é, provavelmente, junto com o
“axioma” “não há lei sem necessidade”[5], dogma
proposto por Aquele que Não Deve Ser Nomeado, o que há de mais perigoso, um na
esfera geral e um na penal...
Conclusão:
Resumindo: o tal “Princípio” do não retrocesso consiste, na prática, em
uma forma de tirar todo o poder da escolha popular, deslegitimando o
Legislativo e o Executivo, eleitos pelo povo e podendo perpetuar no poder
uma ideologia que já tenha sido derrotada nas urnas, além de introduzir outras
que jamais vingariam no país; pior, pode atingir qualquer aspecto legislado
ou regulamentado; o que, em conjunto com o ativismo judicial mais tradicional,
completa o ciclo de: exercer função legislativa e executiva e limitar ou
impedir o exercício delas pelos Poderes executivo e legislativo. .
E aí, estaremos sujeitos àquela famosa
hipótese de Aristóteles sobre o que pode acontecer com a Aristocracia...
Deus me proteja de mim,
E da maldade de gente boa,
Da bondade de pessoa ruim
Deus me governe e guarde ilumine e zele assim
(Chico César)
* Crux Sacra Sit
Mihi Lux / Non Draco Sit Mihi Dux
Vade Retro Satana / Nunquam Suade Mihi Vana
Sunt Mala Quae Libas / Ipse Venena Bibas
(Oração de São
Bento cuja proteção eu suplico)
[1]
Mas isso pode custar caro nas eleições seguintes...
[2]
Isso será assunto dos “próximos capítulos”.
[3]
Ectoplasma é a substância da qual são feitos os fantasmas, segundo o filme e o desenho Ghosbusters. Leia o capítulo DAS ELEMENTARES ECTOPLÁSMICAS
na obra Direito Penal Militar: Teoria Crítica e Prática.
[4]
Mas só os clarividentes o vêem, hierofantes que são.
[5]
Falaremos dele nesta série...
Newsletter
Cadastre seu email e receba nossos informativos e promoções de nossos parceiros.
-
FABIO COSTA PEREIRA - Do Mundo Vuca ao Mundo Bani
ÉRIKA FIGUEIREDO - OS FALSOS SALVADORES DE HOJE
ADRIANO MARREIROS - CONSERVADOR NÃO PRATICANTE EU ATÉ PERMITO
MAURICIO MARQUES CANTO JR. - O MAL ESTÁ A VONTADE
DARTAGNAN ZANELA - MUITO ALÉM DO CHAMADO DE CTHULHU