
O fundo filosófico da Guerra Civil Inglesa (1643-1651) – que derrubou a monarquia de Carlos I, levando Oliver Cromwell (1599-1658) ao poder como Lorde Protetor (1653-1658) – é o tema de “The Levellers and Natural Law: The Putney Debates of 1647”, em The Journal of British Studies 20 (Fall 1980): 74-89.
No ensaio, que toca em elementos do que viria a ser a concepção liberal contemporânea (por exemplo, a de Hayek em Direito, legislação e liberdade, sua obra mais importante), o Professor Richard A. Gleissner, da Universidade George Mason, Virgínia, EUA, explica a diferença entre a perspectiva do direito natural defendida pelos Levellers (os Niveladores) daquela revolução e o significado histórico a ele associado.
Com base nos documentos que registraram os debates transcorridos na Igreja de Santa Maria em Putney, no sul de Londres, em outubro e novembro daquele ano, Gleissner dá a entender que a visão radical (democrático-eleitoral, rejeitada por quase todos os filósofos e historiadores da Antiguidade) dos Levellers surgiu de uma compreensão inexata do conceito histórico de direito natural – a ideia fundada na percepção racional de que o ser humano tem uma natureza distinta que clama por ser consubstanciada mediante esforço mental num ambiente de liberdade – evidente nas obras de Platão e Aristóteles e depois resgatado por Tomás de Aquino (1225-1274) e Richard Hooker (1554-1600).
Apesar de sua insistência temerária no sufrágio universal como base da nova política, esses liberais ingleses enfatizaram os pontos principais de um regime de liberdade sob a égide do Direito, tentando aplicá-los à situação existente: “(1) todos os seres humanos participam de uma estrutura essencial que determina certas inclinações e tendências; (2) que o bem da humanidade consiste na concretização dessa inclinações”; (3) que, em vez de serem impostas por uma autoridade, as normas morais e legais devem refletir uma compreensão profunda dessa natureza e do esforço de cada indivíduo rumo à busca racional, disciplinada, de uma felicidade autêntica.
Essas premissas, aponta Gleissner, levaram os Levellers a exigir que todos os homens livres – mesmo os que não tinham propriedade – participassem da condução do governo mediante e eleição de seus representantes. Talvez baseados nas obras de Platão, Aristóteles e os historiadores da Antiguidade (que recomendavam o que Jefferson mais tarde denominou a “aristocracia do talento”), ou prevendo que demagogos agitariam as massas a fim de extinguir o direito de propriedade, Cromwell e seu grupo defenderam “a necessidade prática de reservar o exercício da autoridade política a ‘homens de interesse fixo no reino’ (daí a “property qualification”, para o sufrágio, geralmente defendida por conservadores e liberais angloamericanos) a fim de evitar conflito interno e, como Cromwell e seus defensores sabiam por experiência, mais uma guerra civil.
Para o Levellers, portanto, a estabilidade constitucional e institucional era essencialmente “uma questão ética ou moral baseada no conceito de direito natural”.
Outros participantes dos debates, percebendo o atributo radical da teoria do direito natural, chamaram aos debates a auto-propriedade – a ideia de que o direito de propriedade emana dessa propriedade originária que o ser tem sobre si mesmo e que deve ser defendido (como diria Hayek mais tarde, “com o sacrifício máximo se necessário”). Assim, os Levellers, apesar de sua esperança infundada de que o voto nas urnas resolveria a questão política daquela guerra (a Revolução Gloriosa, embora sem grave derramamento de sangue, viria em 1688-1689), merecem estudo porque eles estabeleceram princípios relativos à “origem e dissolução do governo, propriedade, direitos e liberdade”. Assim, ao defenderem princípios éticos – e não arranjos práticos, de curto prazo – os Levellers superaram a posição, embora compreensível na época, de Cromwell. No que concerne à natureza e função do governo, eles deixaram para a posteridade o preceito de que “qualquer governo – não apenas o do Rei Carlos I – é injusto [e deve ser deposto] se ele limitasse o direito natural do ser humano de buscar seus objetivos naturais” por meios éticos.
Apesar de seu erro com respeito a eleições como solução para problemas políticos, “os Levellers tinham como objetivo a proteção do direito do ser humano de viver uma vida plena sem obstáculos” [indevidos]. Desse modo, aponta Gleissner, eles “contribuíram para a formulação da ampla plataforma liberal do povo britânico tão essencial à geração posterior que surgiu nas colônias britânicas na América do Norte. O direito natural justificou seu otimismo quanto ao desejo natural do indivíduos de consumarem suas potencialidades, tornando-se mais plenamente humanos”.
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