
Têm dito: “No Esporte não importa vencer, mas competir...”
Havia uma Lebre que sempre estava a contar vantagem de que era a mais rápida de todo o bosque, ninguém jamais conseguiria ultrapassá-la numa corrida. Eis que então uma Tartaruga ficando indignada com toda aquela presunção e vaidade, lhe disse: “Gostaria de apostar uma corrida contigo!”
A Lebre olhou-a, como se não acreditasse no que ouvia, e respondeu: “Você? Numa corrida contra mim?” E assim dizendo caiu na gargalhada. Os outros animais que ali estavam por perto fizeram o mesmo. A tartaruga não fez por menos e foi logo retrucando: “Ah! Você está com medo!”
- Com medo eu?! – espantou-se a Lebre, percebendo que havia irritado a cascudinha, se recompôs e falou amigavelmente: “Não, cara Tartaruga, só pensei que as condições são injustas. A natureza nos fez muito diferentes. E seria indigno da minha parte aceitar tal disputa”. Até os outros animais se espantaram com o bom senso da Lebre. No entanto, a Tartaruga, não se deu por satisfeita, e voltou ao assunto:
- Não é uma questão de justiça, é um desafio! Além do mais, acaso a amiga Lebre não gostaria de me ajudar a vencer minhas limitações concedendo-me a honra desta disputa?
A Lebre reconsiderou: “Bem, pensando por este lado... Não haverá mal algum!”
Uma raposa que a tudo ouvia, sempre ladina, resolveu propor algo melhor: “Por que ao invés de apenas a Tartaruga e a Lebre correrem não corremos todos nós?” E completou: “Assim saberemos quem de nós é o mais rápido.” Os diversos animais do bosque que ouviam ficaram empolgados. A jovem Tartaruga não gostou muito da idéia e foi logo reclamando: “Mas assim terei de correr contra todos! E é um conjunto muito grande de habilidades, vantagens e desvantagens para se lidar!” A isso a Lebre respondeu: “Agora você está com medo?” E deu uma gostosa risada. “Não, de jeito nenhum! Preciso de um tempo para me preparar!” respondeu a outra. Todos combinaram voltar ali em uma semana para a disputa.
E lá se foram o Leão, o Elefante, a Girafa, o Macaco, a Raposa, o Avestruz, o Cavalo, a Galinha, o Cachorro, a Tartaruga e a Lebre, entre muitos outros, treinarem para aquilo que se tornou um grande evento. Já começaram a anunciar como “A Corrida do Século”. Cada um deles passou a semana treinando. Se impondo distâncias maiores, velocidades maiores, e havia aqueles que treinavam para manter sempre o mesmo passo e assim cansar menos e atingir uma grande distância.
Cada um tinha sua tática, ao mesmo tempo contavam com as falhas dos adversários. O Leão era o Rei dos animais mas tinha apenas um bom empuxo, não aguentando grandes distâncias. O elefante por causa do peso perderia o fôlego logo. A Girafa teria de contar com um vento favorável por causa do pescoção difícil de carregar. O Macaco teria de se concentrar muito, pois era disperso e tudo lhe chamava atenção. A Raposa era esperta, mas mais saltitava do que corria. O Avestruz não poderia se assustar se não enfiaria a cabeça no chão. O Cavalo tinha grandes chances, desde que o Leão não rugisse para o seu lado. A Galinha ninguém sabia das suas potencialidades, por isso era uma galinha. E a Tartaruga e a Lebre?! Ah, todos conhecem a outra estória.
No dia combinado todos compareceram ao campo aberto para a Grande Corrida. Ah, mas o que não se havia previsto, vários animais trouxeram a sua própria torcida. Uma manada de Elefantes veio para fazer pressão. Uma matilha de cães e outra de raposas. Um grupo irritante de macacos que não parava quieto também apareceu e vez por outra jogavam bosta em alguém. Os leões vieram num bando que parecia bastante amigável, mesmo por que os elefantes estavam por ali. Os avestruzes vieram vestidos de animadoras de torcida.
Tudo estava preparado para a grande festa! E já haviam combinado, vencesse quem vencesse, haveria respeito entre todos os animais. Já até pensavam em tornar aquela uma disputa anual. Foi então que perceberam que havia interesses demais envolvidos e que ainda não tinham um juiz para declarar o vencedor, pois, com certeza, a disputa seria acirrada. Os animais começaram a discutir para ver quem seria o juiz afinal. Demoraram um bom tempo nisso, pois consideravam que o juiz deveria ser alguém que não tivesse algo a ganhar com isso. Claro, já havia apostas e tudo. Mas quem? Foi então que a Raposa se lembrou: “Logo, logo, aparecerá um homem, ele costuma vir sempre daquela direção, andando bem devagarinho”. “Um homem!” – Exclamou a Lebre “Eis uma boa solução”.
- Sei não – resmungou a Tartaruga – do homem não vem nada de bom...
- Ah, mas ele não tem interesses envolvidos nessa corrida! – argumentou a Lebre.
- Além do mais – completou a Raposa – este homem é um monge. Ele é Zen-Budista. Um homem da paz. Ele vem sempre por aqui para meditar em solidão.
“Ah” fizeram aliviados os bichos, realmente encontraram um bom juiz. Esperaram um pouco, e logo, como previra a Raposa o Monge surgia no horizonte. A Raposa não se fez de rogada, foi até ele e explicou a situação. O Monge, de muito boa vontade, aceitou. Mas, ele disse que não seria o Juiz, mas o mediador.
O Homem então caminhou até o meio das torcidas, levantou uma pedra e mostrou-a a todos: “Eis o marco!” Ele a colocou no chão, logo após ela fez um risco na terra com um dos pés, e avisou: “Ganha quem primeiro cruzar esta linha”. E apontando para o horizonte, disse: “O percurso será daqui até aquela pequena colina, vocês a contornarão e voltarão para cá!” Depois das regras colocadas. As torcidas começaram a fazer grande algazarra. A dos Macacos era a que a mais animada. A um sinal do Monge todos os animais se colocaram a postos. Grande tensão se abateu sobre todos. Havia silêncio pairando pesado no ar. As torcidas mal respiravam. Aí ele deu a ordem: “Já”
Os bichos dispararam. Na frente ia a Lebre e o Leão, seguidos de perto pelo Cavalo, a Raposa e o Cachorro. Mais atrás vinham o elefante, o Macaco e a Avestruz, que ia ganhando terreno aos poucos. Logo atrás deles a Girafa, que infelizmente pegara um vento contra. E atrás dela vinha a Galinha, e ainda na linha de partida estava a Tartaruga. Rapidamente as posições foram se alterando e alternando. O terreno escolhido era um pouco íngreme o que não facilitava muito as coisas. O Leão foi se cansando, e em pouco tempo a Raposa e o Cachorro estavam de língua de fora. Logo foram ultrapassados pelo Avestruz, seguido de perto pelo Elefante. O Cavalo e a Lebre continuavam bem à frente. Por instantes as torcidas perderam seus heróis de vista, pois todos tinham de contornar a colina. Seguindo de longe naquela direção iam a Galinha e a Tartaruga.
Depois de um demorado tempo a torcida avistou à distância os competidores. Na frente vinha o Cavalo, pouco atrás a Lebre e ainda ganhando terreno o Avestruz, o Leão podia ser visto bem atrás. Quando estavam ainda a uma curta distância, eis que aconteceu o que parecia inusitado, o Elefante vinha resfolegando e correndo, resfolegando e correndo. A sua torcida ao vê-lo tão heroicamente lutando não resistiu e começou a gritar e a pular. Aquele monte de elefantes pulando e fazendo balbúrdia quase provocou um terremoto, os animais podiam até sentir o chão tremer. O Monge pediu que se acalmassem para que não acontecesse o pior. O Avestruz, sentindo a terra tremer se assustou e enfiou a cabeça no chão. Mas logo a retirou e continuou a corrida. Foi então que o Monge, olhando para o chão viu algo curioso... E ficou a meditar.
Assim, iam lutando, corpo a corpo, cabeça a cabeça, menos a galinha, pois parou para comer uma minhoquinha que apareceu por ali e assim foi ultrapassada pela Tartaruga, que ainda não chegara nem à colina. No entanto ela não desanimava. Ia com seus passinhos vencendo a distância e se recusava a perder. Enquanto ela estava atrás da colina, eis que o Cavalo cruzou a linha de chegada, seguido pelo esbaforido coelho, que por muito pouco não o venceu. O avestruz chegou todo pimpão em terceiro lugar, seguido pelo Elefante, atrás do qual veio o Leão, que não era bobo nem nada de irritar um bicho daqueles.
Diante dos urros e gritos de “Viva o Cavalo!” a bicharada feliz e respeitosa se preparava para estender as comemorações. Claro, iriam esperar os outros cruzarem a linha de chegada. Foi então, que o Monge, interrompendo sua meditação, pediu a palavra: “O Vencedor não é o Cavalo, é a Pedra!”
“Pedra!!” Gritaram todos estupefatos. “Que pedra?” “A pedra que servia de marco, quando a terra tremeu ela se moveu e cruzou a linha de chegada” afirmou o Monge. Todos olharam para o chão e constataram o fato. Lá estava ela, para frente da linha. “Mas assim não vale” começaram a resmungar os animais. Os leões começaram a ficar bravos, os elefantes também começaram a se aproximar do juiz – ops, quero dizer mediador – ele então, tomando a pedra na mão, explicou:
- Olhem para ela! É a essência perfeita do Zen! – os animais ficaram boquiabertos “Zen? Que Zen? Do que ele estava falando afinal?” Ele continuou:
- Ela encerra o princípio da não-ação. Ela competiu sem competir, esteve sem estar, ela se moveu sem se mover. E, em seu silêncio, foi um perfeito exemplo de ponderação e humildade. Após a sua evidente vitória, não negou a do Cavalo e nem pediu nada para si. Ficou aqui calada, sem ao menos aguardar reconhecimento pelo seu feito. Ela encerra em si o princípio da eternidade e do infinito, pois quando todos nós tivermos desaparecido ela ainda estará aqui, dando-nos o seu exemplo.
E, assim falando, para uma multidão de animais boquiabertos e abestados. O Monge concluiu: “Declaro a Pedra vencedora!”
Depois foi calmamente seguindo a direção do bosque onde iria continuar as suas meditações. Após um pesado silêncio, os animais começaram a murmurar, cochichar, e um zumzum foi crescendo, crescendo... Eis que o Leão zangado já foi gritando: “a culpa foi dos elefantes!!” Todos se voltaram contra a manada, que foi logo avisando: “Se não se afastarem vamos pegar pesado!!” De nada adiantou as combinações anteriores. Subitamente começou o massacre, Leões contra Elefantes. Estes iam pisoteando todo mundo sem dó nem piedade enquanto os leões iam atacando como podiam, ajudados pelos macacos que ficavam tacando bosta em todo mundo. O restante da bicharada tratou de correr. Ah, mas o Cavalo, este correu atrás do Monge, e deu-lhe um fortíssimo coice, e falou em tom irônico: “Você deveria ter feito como a pedra. Deveria ter vindo sem vir. Mediado sem mediar. Mas você agiu e agora sofreu a reação, tenho dito!”
Nada sobrou da estranha assembleia. Apenas alguns cadáveres pelo chão. No campo a Galinha ainda estava distraída com mais minhocas que encontrara. A lebre foi para casa, e continuamente dizia “Sou muito mais veloz do que uma pedra!” ao que ninguém mais replicava, até começou a se passar por humilde.
E a Tartaruga? Bem, você pode continuar esperando leitor, ela está quase chegando...
Têm dito: “O importante é competir...”
“O que não disseram é que se as condições não forem justas o vencedor não pode ser honesto, e nem o juiz.”
COMENTÁRIOS